terça-feira, outubro 20, 2009

O competidor

Ele só pensa em ganhar. A vida é um tabuleiro de xadrez. Cada movimento é uma pequena vitória. Ele quer ser o melhor em tudo. Em tudo que há, ele só vê competição, disputa, derrotados e vencedores. E ele quer estar do lado dos vencedores, sempre. Ele não aceita a derrota. Para ele, o melhor, só a vitória é justa. Ele não sabe que a vitória não dura para sempre, assim como a derrota. Que o lado bom da derrota é isso. Que o lado ruim da vitória é isso.
Ele não abraça, nem é abraçado. Ele não revela medos, nem sentimentos.
Ele não compreende nada da vida e nem precisa. Ele só precisa vencer para estar bem consigo mesmo. Aquilo em que não consegue ser bom, simplesmente negligencia, deixa de lado.
Entre os amigos ele quer ser o melhor. Ele diz fazer sucesso com as meninas, ser o craque do time e ter o respeito dos mais velhos. O que todos não sabem é que ele vive atormentado por si mesmo. Entretido com seu reduzido jogo de cartas, ele não consegue enxergar nada além. Talvez ele só precise desse jogo. E mais um. Ele só precisa vencer para afirmar para si mesmo o seu valor. O certo é que ele não se conhece, não encontrou o seu valor, precisa de outros para afirmar a si mesmo pois, para ele, só a vitória afirma o ser humano. Melhor: só a superação de outro.
Ele não reconhece o mérito de ninguém mais. Todos são ruins ou deram sorte. Só ele vence por ser o melhor.
É ele quem manda, ele foi treinado para isso. Ele é o alfa. Nunca o ômega.
Em sua vida, ele termina sozinho. Como sempre foi. Afinal, no lugar mais alto do pódio só cabe um.

sexta-feira, outubro 09, 2009

recado para a Poesia

- Poesia, vai tomar no olho do cú!

quarta-feira, setembro 30, 2009

Summertime

Leve-me a um passeio no campo.
Quero desfrutar os prazeres que a terra me dá.
Poder andar sobre sua face sem receio.
Pagar o preço ancestral do homem e viver.

Pensar que papai e mamãe irão me buscar na escola.
Não há bandidos, nem mesmo há morte.

O campo para recurar.
Pegarei carona em seus braços
e em instrumentos alados de marfim
voaremos até a eternidade inicial.

Onde antes que deus fosse parido,
Lá, em seu corpo farei moradia.

Summertime vaga solta pelo ar...

quinta-feira, setembro 10, 2009

Por uma nova poética do big-bang

Depois de um farto almoço de domingo na roça, Deus se sentou em sua cadeira de balanço. De frente pro rio, debaixo de uma soleira boa, abriu sua latinha de rapé e cheirou. Dessa vez teve um espirro tão forte que de suas narinas saíram planetas, estrelas, galáxias, nebulosas, buracos negros e nós. Deus ficou espantado porque aquilo nunca tinha acontecido antes. Olhou estupefato e sorriu.

sábado, agosto 22, 2009

Muleque louco na rua
Grita com a cabeça pra fora do ônibus
E não volta pra casa
Se antes não dorme em alguma porta de comércio

Muleque louco na rua
Grita com a cara cheia de cachaça
E não volta pra casa

O muleque louco na rua é um urro
O último urro de liberdade

quarta-feira, julho 29, 2009

O homem que virou árvore

Ele queria um lugar onde pudesse deitar. Já eram mais de cinco da tarde e a enxada começava a ficar pesada demais. Olhou pra os lados e não viu coisa alguma que fizesse sombra a não ser ele mesmo.
Decidiu recostar-se em si e observar o dia que desmanchava. Aos poucos alguns passarinhos vieram pousar em seus ombros. Dali a algumas horas em sua cabeça fizeram um ninho. A lua veio, virou a noite em outro dia e agora começavam a penetrar o solo em raiz os seus dedos. Buscavam o centro da terra, aconchegante como útero de mãe.
Depois de algumas semanas, sua pele criou casca, alguns galhos principiaram a busca por luz e equilíbrio desenhando uma figura outra. Quase um mês depois, galhos saindo de seu tronco e suas costas se ramificavam. Criavam folhagem desenhando uma estrutura que não mais se assemelhava à de um ser humano.
Mais um tempo gastou para que seu sangue fosse substituído pela seiva que agora buscava no sol e na chuva a sua regeneração. Quem por ali passa não vê nada senão uma árvore de seus metro e pouco. Recostada nela, uma enxada velha e suja. O homem tinha virado árvore.

segunda-feira, julho 27, 2009

fragmentos

Meu encontro com o guerreiro oriental aconteceu por acaso.
Eu acabara de almoçar e saía do restaurante. Ao atravessar a rua, olhei para trás e vi sua figura.
Era um guerreiro sadio, baixo, um pouco atarracado e de porte robusto.
Carregava duas sacolas e era muito concentrado em seu caminhar.
Percebi em sua barba a necessidade de manter-se aquecido no frio invernal que fazia. Marchava alinhado como em uma tropa. Em seu semblante nada parecia mover. Se estava a ir para a batalha final, não sei. Porém se acaso a houvesse, já estava, nitidamente, pronto.
Na sua sacola parecia carregar, além de toda mística e sabedoria orientais, alguns trapos velhos e uma tesoura.
O encontro foi rápido. Ele passou e seguiu sem se virar ou mudar a velocidade e a rota em que caminhava.
De início não percebi suas origens, só dei conta de ser um guerreiro oriental quando, ao passar por mim, vi em suas costas, presa a uma corda fina e sutil como a linha que o conectara, há tempos passados, com a sua origem, a espada adunca e afiada dos seus antepassados, seu instrumento.

***
Pensar o tempo em questão de horas e minutos.
Bobagem.
O tempo é infinito como estar no círculo. A cada investida nos projetamos ora a frente ora atrás. Parece simples, porém nisso reside o infortúnio de não sabermos, quando nos projetamos, se nos projetamos a frente ou atrás.
Mas como então estamos inseridos no tempo? E sentimo-lo passar? (Sentimo-lo?)
O tempo não é. Não existe ao certo quem seja capaz de defini-lo. Estar no tempo é como viajar em uma pequena esfera que caminha sobre outra maior. O movimento não necessariamente teve fim ou inicio. E suas evoluções ou involuções não se definem se não por um olhar histórico. O princípio básico de um átomo.
Cada época incita à conexão com outra. Anos futuristas – ou pretensamente dispostos a trazer o futuro – e saudosistas – ou pretensamente dispostos a trazer o passado. Retornos e idas a partir de um ponto que não existe. Um ponto que pode ser a criação, mas não convém arriscar defini-lo. Não há no mundo – nesse instante fotografado e parado no tempo em que escrevo – capacidade para definir a posição exata do centro de onde partem as ondas particulares. O epicentro. De onde partem as modas, os desejos e particularidades dos momentos históricos. Existe sim, e disso faz-se prova o fato de estar a escrever isso e o fato de outro ler, possibilidade de distanciar-se minimamente do tempo e provar um olhar no mínimo menos infeccionado que o de quem joga o jogo do tempo e sua predileções. Infeccionado, sim. Quem se presta a observar profundamente realiza que existe a imunidade (ou tentativa de) ao tempo. O ponto inicial, a criação, Deus, a força primária – qualquer definição a que se agarre – criou o ser para existir apenas. Não sabia que no tempo também existiam vícios, erros, falhas. Nesse ponto defendo em parte o clássico ao moderno. O clássico desfruta daquilo que se estruturou com o passar. É cauteloso e não segue tendências. O moderno desfruta da busca. É dotado da instintividade do espírito juvenil, não é temerário e tudo arrisca se algo quer.
Voltando ao assunto, feita a idéia-base, o ser inserido no tempo pode desfrutar da existência: primazia máxima do universo. A consciência de estar inserto no momento. O instante que é eterno por ser infinito o tempo. Estar na esfera menor e ter a certeza que se tem contato com o infinito maior sem fim que reconfigura sua camadas a fim de dispor infinitamente a sua superfície ao estudo daqueles que se interessem e cheguem lá. Mas o ser foi contaminado com a moda. E a moda, os desejos e as particularidades são justamente efeitos da infecção. A contaminação acontece porque não se percebe o real valor de se estar no tempo e no caso de nós seres humanos de se estar no mundo, planeta Terra, mãe terra ou seja lá a definição que se aplique.
Quando se diz contaminação não se deixe levar pela má idéia de coisa ruim. A contaminação é a alusão e recurso poético-nominativo ao processo de contágio, pois a vida, a existência são nos menores dos detalhes, contagiantes.
Afastar-se requer no mínimo muita dedicação e não pergunte como estar apto a tal. pois agora mesmo nesse momento paira sobre a cabeça sedenta de tudo o nada. E sequer sei se realmente é isso fugir ao tempo ou estar nele de tal modo inserido que posso justamente por isso planejar a idéia que agora flui. Pode ser que a idéia que agora flui seja, ela mesma, mais um aparato demonstrativo desse tempo que é meu e tem carga e potência marcadas.

***
Eu carrego um instrumento.
Um instrumento sonoro.
Segui à risca as instruções
e me instruí.

O instrumento me permite ser o que não sou.
Através dele, prótese utilitária,
realizo o que não me é permitido
com meu parco material humano.

Eu, particularmente,
carrego um instrumento sonoro de cordas.
Seis cordas, as notas que lhes cabem
E o que disso posso fazer.


Com esse instrumento, instruo.
Procuro destruir o que incomoda o homem
Incomodar o homem – no íntimo
Fazer o som tocar os corpos, as mentes
e alcançar, enfim,
com esse instrumento infinito,
qualquer realidade.

sexta-feira, julho 24, 2009

O que houve conosco?
Estamos presos. Não acredito que seja só ilusão. Estamos presos de verdade. Sentimos isso. O que será essa força? Eu não estou preso,digo de mim pra mim, mas quando saio na rua, estou atado a alguma coisa.
Acompanhei meus poetas. Fui luminoso.
Sou de cataguases. Só quero que cuide do pomba. Sei das coisas de lá. Sei de várias delas. Ás vezes fico cabreiro de falar, mas eu sei. Eu sou de cataguases.
Há oitis com sonhos libertários. Achei vários deles. Eu sei. Eu sou de ktá. Sabe, dos catu-auás.

***

Conhece guido eu sei algo de guido:

Quatrocentos anos depois de o coronel Guido Marliére ter chegado às terras dos Catuauás e ter fundado o então arraial do meia pataca foi que se acharam os seus restos mortais e uma carta. De autoria de Guido o recado trazia impressos os brasões do império da coroa e muitas formalidades de época e alguns pedidos. Dentre os vários que ainda podiam ser lidos sem perda de sentido estava um bastante curioso. Guido pedia que antes de se aportar, colonizar, civilizar e etc. se observassem as leis naturais do povo. Dizia ele que por mais que se tentasse exaustivamente as leis regentes da natureza de um povo não poderiam nunca ser traídas. Questão de ancentralidade que não cabe aos homens, que não vivem sequer cem anos, dizia. Relatava no corrente da carta o que o povo daquele lugar em específico era e que se preservassem o espírito da terra e a natureza da gente. Guido muito se encontrava com mamoriá maezinha iaiá e reza a lenda que foi essa conjuradora da chuva Catuauá que lhe ensinou as coisas que sabia do lugar e as disposições necessárias a lidar com o seu povo. Nisso é que Guido discorria na carta. Como aquele recado suportara tanto tempo ninguém soube dizer. O que se sabe é que maezinha iaiá rezou sobre ele e depois aplicou uma tinta clara por todo o papel para que “nem fogo nem água desviassem a sua delicada trajetória” já sabida por maezinha desde antes de o próprio tempo ser tempo.
E a mamãe inhá olorixá se gabava de ser a mentora intelectual de Guido durante sua primeiras estadas no ribeirão do meia pataca. Ela pregava uma teoria que assinalava a necessidade do ser humano seguir a sua natureza. O povo – dizia ela a Guido em noites altas em que o desbravador ficava a contemplar aquele novo céu do outro lado do atlântico – não pode trair a sua raiz. A natureza do lugar é o fundamento do ser. Quando essa alma se vai, ou é traída – e narrava com aquele olhar de feiticeira velhaca – se perde a raiz. A natureza não é nunca traída. A natureza do povo, do indivíduo e do ser. É menos penoso ser feliz assim.
Guido ficava maravilhado com a cultura local. ‘Não é que esse povo é gente’, pensava.
A diplomacia de Guido extraía da senhora o potencial futuro. Ele realmente ouvia fascinado as novas visões e lendas de uma velha aldeã nas terras americanas, mas sempre continuava europeu e , principalmente, metido como um francês.

***

Mas ktá não é o Brasil, é? Acho que não. Acho que ktá é o fim do mundo, na boa, né não?

Sinceramente, me acho honesto, eu tenho boas qualidades para essa vaga. Gostaria nde dizer que você não encontrará ninguém melhor a mim nessa seleção. Eu acho que o Obama é um cara legal, mas discordo das políticas de cotas raciais.

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Eu sou meio a meio
Eu sou o médio
Eu sou o mínimo.
O mínimo
não sabe
que o mínimo
é o máximo.

***

O ano: o dois mil. É apocalipticop.
Foda-se eu não acho;
na boa,
Vou nascer e morrer sobre esse sol e você que se foda com essa teoria libertarian que não dá em nada.

Vou lá que eu to na lara , irmão. Se liga que é atitude. Sempre.

quinta-feira, julho 23, 2009

Mulheres que passam

A morena passou numa elipse. Um eclipse em meu coração. O lapso, a pontada primeira do ataque, passo fulminante em falso refletiu seu ébano. Cada perna que valia vida e meia de presente, carícia e conversa. Os olhos duas luas negras , jaboticabas maduras que passaram além, no último e mais distante galho.
Essas mulheres são mágicas. Perfume de dama-da-noite em campo sozinho. Fraco que sou e manda uma flecha dessa. Torpedo com alvo certo. Devia ter pena porque, para pagar o meu pecado de ela existir, me arrasto até a sua divindade e peço de volta a vida dela que era antes de mim. Foi e deixou a volúpia de um cadafalso. Chutou a base e me deixou pendurado. As costas e um bumbum... que seria tão bom morrer agora.
Mas o que sobrou foi um rabisco e a morena que nunca mais vi, nem que fosse em memória.


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A primeira vez que a olhei com cobiça, respondeu com uma preguiça enrabichando-se em si mesma, braços ao firmamento, como um animal que troca de pele. Na verdade, quem trocou fui eu.
A partir daquele momento o coração de suas costas bateria em mim outros sentimentos. Seus olhos nunca mais tiveram o verde que tinham. Tornaram-se completamente brancos e apontavam para dentro. Tinha eu , então, permissão para entrar e sair. Muito conveniente. O cartão magnético que abria o portal........
(putz! Tudo tão perfeito e entra esse maldito cartão magnético na passagem. A tecnologia corta-me em fatias e vou à mesa servido com bastante falta de inspiração).


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Ela passou rente no ônibus, meio sem jeito, desengonçada. Passou ligeira e desceu. Ainda pude ver o seu rosto por algum segundo, que não sai da memória de fita cassete.
Cada frame passa lentamente...
São fotos de um dia de pic-nic, com algum raio de sol, vista em amarelo e um campo cheio de crianças aladas guiadas por mulheres nuas e lindas que tocam flauta. Ali também, logo ao lado, alguns porcos antropomorfizados vestidos de verde marcham com bandeiras vermelhas. Têm em seus corpos brotoejas protuberantes que também vão ficando verdes com o tempo.
Assim são as fotos em detalhe.
Mas, no instante que vi, só consegui imaginá-la artista. Artista de uma daquelas propaganda de metrô, feitas com técnicas que os físicos da Nasa estudaram anos para estabelecer com o objetivo de compor um filme na parede. Atriz de parede de metrô.
A parede como película. A parede verdadeira película para o filme real. A realidade despejada na película que é a parede. Película filmográfica que fotografa os frames da vida e os gera dentro desse grande reprodutor do real, a realidade(?).
E aquela imagem passou muito rápida. E o que ficou das fotos, de cada frame é o que a astuta memória, ou falta dela, conseguiu guardar. É um raio de sol amarelado e um campo...

Literatura

A literatura é o espaço mais amplo e justo das letras. Ela deve tratar qualquer assunto com igual método e atenção. Não pode falhar em julgamentos. Seja de procedência, tema ou o que seja. A literatura fala de tudo, sem pudor ou distinção. Esse é um espaço para o desenvolvimento literário.